domingo, 4 de julho de 2010

Perspectivas de vida...

... ou de morte! Chegar aos 87 anos com uma viuvez pelo caminho, uma pós viuvez solitária, independente e autónoma, uma colostomia e um AVC isquémico e ter que estar à mercê da boa (má) vontade dos outros é tramado! Se estivesse tontinho, choné ou senil era mais fácil. Arranjava-se uma solução adequada, gostasse ou não, já não antecipava a chegada da morte com lágrimas saudosas de uma vida livre. Apesar de o AVC o ter deixado acamado, em dois meses e com a ajuda da equipa multi-disciplinar do Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, voltámos a ter homem para pegar o touro pelos cornos (quase!). Levanta-se, veste-se, come, faz a barba sozinho. Tudo em nome de uma vida livre. A motivação e o empenho lutaram a par e passo para conseguir os máximos resultados. Teve o mérito de ser considerado o melhor paciente de Alcoitão! Aos 87 anos!!! Não é para todos, é só para alguns!
Mas a alta veio com a indicação para não voltar a viver sozinho. A idade e os antecedentes clínicos são um factor de risco! Várias alternativas foram colocadas em cima da mesa, mas somos todos muito ocupados e ninguém quer abdicar do seu egoísmo, da sua vidinha bizarra e patética. Centenas de quilómetros percorridos para encontrar um lugar decente, confortável e com capacidade de resposta às suas necessidades específicas! Parece que se conseguiu!
E apenas 24 horas depois, ele pediu-me: Deixa-me ir para casa! Aqui não estou a fazer nada! Estou à espera de quê? Em casa, tenho as minhas coisas para me entreter, todos os papéis em atraso para organizar! Uma vida ocupada e importante!
E o coração divide-se... Vou ficar em sobressalto, acabaram-se as noites descansadas, mas será que tenho o direito de privá-lo da sua vontade? Por muitos mais anos que possa viver, qual o objectivo de ficar à espera do anjo da morte? Tudo é estéril... Não há recordações, vivências, cheiros nem memórias! A casa é o nosso refúgio do resto do mundo! Onde fazemos o que queremos, quando queremos e só as paredes partilham as nossos segredos!
Muitas lágrimas depois, estou tentada a fazer-lhe a vontade, porque hoje não consigo ver outra solução a um pedido tão sábio! Porque ele sabe!

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